Ser juiz em tempos de pandemia

Conferindo-se ao governo poderes ilimitados, pode-se legalizar a mais arbitrária das normas;

e desse modo a democracia arrisca estabelecer o mais completo despotismo

– Friedrich August von Hayek, O Caminho da Servidão (1944)

 

 

 

1. Ironicamente, a palavra “distopia”, que convoca sempre o maior dos receios, embora já conhecida anteriormente, só se tornou efetivamente reconhecida quando John Stuart Mill, um expoente do liberalismo clássico, a utilizou num dos seus discursos parlamentares, em 1868.

A recente crise pandémica e as medidas subsequentes ditadas pelos diferentes governos nacionais alertam-nos, uma outra vez, para o recrudescimento de políticas totalitárias baseadas num nível extremamente elevado de controlo quer sobre a vida pública quer sobre a privada.

Esta apreensão surge fortemente sustentada em acontecimentos por todos conhecidos, no passado bem recente, e que se materializaram num intimidante declínio das regras do Estado de Direito um pouco por todo o mundo. De acordo com o Relatório sobre a Democracia 2020, pela primeira vez desde 2001, as autocracias constituem uma maioria, estando representadas em 92 países, a que corresponde 54% da população mundial.